segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Sinta.

Hora do almoço. Estacionamos o carro frente a um restaurante beira de estrada, simplesinho, as mesas vestidas com toalhas quadriculadas, cadeiras de madeira, uma atendente ranzinza e um cardápio farto de comidas que não tinha. Decidimos pedir um prato feito, porção para quatro famintos. Enquanto esperávamos a refeição ficar pronta eu observava melhor o ambiente, faltava ali algo característico de todos os restaurantes.

Tentei lembrar de todos que já tinha ido e de tudo o que eles proporcionavam de melhor: atendimento, cardápio, comida deliciosa, sobremesa... Mas antes do atendimento, logo quando entramos no restaurante, o que seria? . Não estava longe a resposta que eu precisava, mas a fome já não deixava raciocinar muito.

Cansada de pensar e de aguardar a comida chegar, o jeito foi compartilhar com minha mãe a minha observação. Ela como se também estivesse pensando o mesmo que eu, logo disparou: “O cheiro, eu estava reparando exatamente nisso, falta aquele cheirinho de comida boa que a gente tenta fazer em casa, mas não consegue”. Como eu não pude pensar nisso antes.

A comida chegou. Comemos e não ficamos nada satisfeitos. A comida parecia que tinha sido requentada, nem cheirava mais, no entanto a fome deu um jeitinho pra que nós pelo menos conseguíssemos engoli-la. De volta a estrada, senti um cheiro maravilhoso de milho cozido.Tínhamos acabado de almoçar, mas não dava para resistir, era tentador o aroma daquele milharal, meu pai então parou o carro, perguntou o preço e comprou logo um para cada.

A minha espiga estava deliciosa, tão deliciosa que enquanto a devorava refletia no que tinha feito a gente comer quase nada no restaurante e o que nos fez, por impulso das narinas, comprarmos aquele milho tentador, o que me levou de volta a questão do cheiro, cheiro que aguça, provoca, irrita, atiça, que dá vontade, que transforma em desejo. Cheiro.

Cheiro então de todas as coisas que eu gosto: de roupa nova, de gasolina, de padaria, de mercearia, de laboratório de informática. Cheiro de geléia de morango, de terra molhada, ou mesmo de mangal. Camarão salgado, comida na chapa, Shopping Center. Acredito que tenha cheiro até de dia feliz. Nossas narinas sentem e nos atentam para algo bom ou ruin talvez até antes mesmo dos olhos virem.

O cheiro do milho eu senti a um quilometro de distância, meus olhos nem sonhavam com isso até minhas narinas captarem que se tratava de milho cozido. Parada obrigatória. Claro que quando meus olhos viram aquela senhora espiga dilatou-se, por um instante achei que fosse ficar cega. Exageros a parte, é tão bom cheirar, fungar, respirar. Sentir o perfume de um cabelo cheiroso dá impressão de que está limpo e um homem perfumado nos leva a crer que ele está bem disposto, que se cuida, que ama a si.

À uma hora dessas já tinha acabado de comer toda a espiga, não deixei um milhinho sequer sobrando, lambi os beiços. Chegando em casa, depois de uma longa viagem de férias, senti o cheirinho do meu lar, cada casa tem seu cheiro característico, a minha tem cheiro de felicidade. E desse cheiro eu procuro me perfumar todos os dias.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Vendedora por três meses.

Um belo dia acordei com uma vontade louca de fazer algo diferente, de férias, normalmente era acordar, comer e dormir, então me olhei no espelho e resolvi: “Vou trabalhar”. Como não sei fazer muita coisa, preparei um currículo e deixei em todas as lojas interessantes do shopping.

Passaram-se três dias e uma delas me chamou quase que com urgência, não medi esforços e na hora marcada estava eu lá com mais 25 candidatos a vaga. Eram vários testes de raciocínio lógico, psicológico e cálculos, fora a entrevista. No final de tudo passaram 2 garotos e eu.

Meu primeiro dia foi horrível, a loja era imensa, tinha que descer e subir a escadinha do estoque repondo mercadoria, aprender como tudo funciona a tempo antes do natal quando ninguém teria paciência de estar ensinando. Meu horário naquele dia era um pouquinho menor que os outros, mas estava durando uma eternidade, e ás seis da noite resolvi que não voltaria mais.

Voltei. O segundo dia foi pior que o primeiro, tinha que fazer todas as minhas obrigações com o corpo dolorido dos afazeres do dia anterior, eu não estava acostumada, mas agüentei as três semanas de experiência. Essas semanas foram cansativas, mas também produtivas, fazíamos atendimentos supervisionados, aprendíamos a usar o sistema de compra e a organizar o estoque.

Passaram-se as três semanas e lá estava eu vendendo e passando as mercadorias no meu nome e acumulando minha comissão, levava o cliente até a porta e ele saía muito satisfeito. Mas o que importava mesmo ali, além da satisfação do cliente era o número de peças que eu tinha conseguido vender naquele atendimento, o chamado “P.A” (peças por atendimento).

Nesse momento comecei a entender a vida de um vendedor e sua função: empurrar mercadoria ao cliente e usar de todo o seu poder de persuasão para convencê-lo a comprar aquele produto. Também era necessário ser esperto e ágil, atender 5 ou 10 clientes ao mesmo tempo e fazê-los levar bastante coisa e deixá-los satisfeitos. Pensei: “isso não é pra mim”.

A véspera do natal foi uma loucura, o shopping e principalmente a loja estavam lotados, tinha vendedor que conseguia “miar”, “2miar” e até “5miar”, eu não passava dos mil e quinhentos. “Miar” era uma expressão que a gente utilizava quando se referia a conseguir mil reais no dia. No natal foi possível fazer seis mil reais. Não foi o meu caso.

“Miar” era importante para nós que tínhamos que alcançar uma cota, dessa cota dependia nossa comissão. Se não conseguíssemos alcançá-la receberíamos um salário mínimo todo descontado e ainda um por cento do que tínhamos conseguido vender. Era uma guerra, quem estava na vez de atender era passado para trás por um vendedor espertinho que colocava seu nome da tabelinha na frente. Desentendimentos constantes.

E os clientes ficavam sem entender nada daquela confusão que se formava de quem ia atender quem. Pra piorar tinham clientes que entravam, vistoriavam a loja e iam embora, alguns diziam obrigado, outros davam o que a gente chamava de ‘soco’, nem olhavam na nossa cara. Quando não, triscavam na roupa, achavam bonitinha e saiam de fininho, os famosos “caroços”. Esses benditos faziam com que a gente voltasse pro final da fila do atendimento, o que resultava em perda de tempo e dinheiro.

O natal mesmo foi “sufúria”, ou seja, sufoco. Para o comércio é considerado natal dois dias antes do dia 25. Eu fui escalada para trabalhar na madrugada do dia 23 para o dia 24, o shopping ficou pequeno e a loja no chão, não tinha nem como vender, achar uma blusa “P” era um sonho e calça tamanho “42” surreal. E nos últimos minutos do segundo tempo a loja também tinha que bater sua cota e foram pro meio do salão vender: gerente, vendedor responsável ou “V.R” e até os donos da franquia. Conseguimos. Festa no final do expediente.

Depois do natal só troca, gente que não tinha gostado do presente, do tamanho, da cor, enfim, queriam trocar. Como se não fosse pouco estava no ar um cheiro de “paredão”, quem sai e quem fica na loja conforme o contrato fosse chegando ao fim. O segundo ‘paredão’ foi o meu e de mais cinco, éramos no total quatro meninas e dois meninos. Eles ficaram.

Foi um choro, despedidas sempre são emocionantes, éramos bem ou mal uma família, a gente se entendia, se gostava e se ajudava, fiz amigos que vou levar comigo para sempre, no natal não dava tempo sequer de bater um papo, mas a gente conseguia se comunicar só com um olhar, um sorriso e estava tudo bem.

Eu não consegui bater minha cota, cheguei perto, por isso recebi a mais do que assinaram na minha carteira de trabalho. Foi bom, cansativo, doído, exaustivo, mas divertido. Deu pra conhecer melhor e de pertinho a vida de um vendedor, não é fácil, hoje eu entro numa loja dessas com outros olhos e passo a tratar melhor aquele que vem me atender, nem sabe quem eu sou, mas faz de tudo pra que eu me sinta a vontade e saia dalí alegre e satisfeita e claro, com muitas sacolas na mão.